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quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Futebol e Bolsa de Valores


Se os maiores clubes do País estivessem na BM&FBovespa, eles teriam tamanho para competir no pregão com algumas das empresas que fizeram IPO nos últimos anos. O Corinthians, por exemplo, tem valor de mercado de R$ 1,1 bilhão, maior que o da varejista Magazine Luiza, de R$ 1 bilhão. Flamengo e São Paulo, cujos valores de mercado são, respectivamente, R$ 855 milhões e R$ 844 milhões, superariam a locadora de frotas Locamerica, de R$ 672 milhões. O Palmeiras também seria maior que a Unicasa, fabricante de móveis — R$ 496 milhões contra R$ 387 milhões. Os valores dos clubes foram levantados pela BDO RCS, empresa especializada em auditoria, e divulgados neste ano. Listar-se em bolsa, contudo, é um projeto aparentemente distante da agenda dos cartolas — um cenário bem diverso do que se observa em outras partes do mundo. [1]

Na Europa, 22 times de 11 países diferentes têm capital aberto. Há, inclusive, um índice para medir o desempenho dos papéis de clubes europeus — o Stoxx Europe Football. Um dos casos de sucesso é o do Borussia Dortmund, que entre 2011 e 2012 foi bicampeão alemão e neste ano, em maio, foi finalista da Liga dos Campeões, principal torneio interclubes do mundo. Exatamente nos meses em que o Borussia obteve bons resultados em campo, suas ações atingiram os maiores níveis de compra. Em maio, durante a campanha do vice-campeonato da Liga, o papel atingiu sua máxima histórica, chegando a € 3,13. Outro gigante europeu, o inglês Manchester United, tem ações negociadas na Nyse. Seu papel também disparou em maio, com o título de campeão inglês: foi de US$ 12, em novembro do ano passado, para US$ 19 — valorização de 58% no período. 

Se levarmos em conta que as cinco maiores torcidas do Brasil — Flamengo, Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Vasco — têm, juntas, 95,3 milhões de pessoas, segundo o Ibope, e que o objetivo da BM&FBovespa é conseguir 5 milhões de pessoas físicas até 2018, não pareceria loucura tentar atrair esses times para o mercado acionário brasileiro. "O torcedor teria orgulho de dizer que é dono de um pedaço do time de coração", observa Eduardo Carlezzo, sócio do escritório Carlezzo Advogados Associados, especializado em negócios do esporte. Para os clubes, o mercado poderia ser uma fonte de credibilidade e, consequentemente, de capacidade de atrair parceiros interessados em fazer bons negócios — ampliando o poder de barganha para contratar bons jogadores e formar equipes competitivas. 

Os obstáculos que os clubes enfrentam para dar esse passo, no entanto, ainda são grandes. Em 2003, o Coritiba enviou à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) um pedido de registro de companhia aberta concomitantemente a um pedido de distribuição pública de ações em mercado de balcão não organizado. A estratégia era passar a gestão do clube e do departamento de futebol para uma empresa, a Coritiba Futebol S.A. No entanto, a autarquia negou os pedidos, alegando irregularidades contábeis nos documentos apresentados. Dos R$ 51 milhões declarados como patrimônio da Coritiba S.A., mais de R$ 50 milhões eram referentes ao direito de uso da marca Coritiba Foot Ball Club, o nome oficial do clube. Esse valor foi descrito pela companhia como "patrimônio intangível gerado internamente" nas demonstrações financeiras, mas a CVM avaliou que esse tipo de intangível não poderia ser contabilizado. [2]

Atualmente, clubes contam com executivos do mercado em seus quadros. O próprio Coritiba tem, desde 2010, como presidente do board Vilson Ribeiro de Andrade, que já foi CEO do HSBC no Brasil. No Corinthians, o presidente da BDO, Raul Correa, é vice-presidente de finanças desde 2007. O cargo de vice de futebol do Flamengo é ocupado, desde o início de 2013, por Wallim Vasconcellos, ex-diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Esses profissionais, contudo, enfrentam a resistência de sistemas de governança estagnados. [3]

De maneira geral, os clubes brasileiros são geridos por sócios não remunerados que detêm o poder político da entidade. Trata-se de diretores e conselheiros eleitos para mandatos com tempo determinado pelo estatuto, mas que na prática ficam longos períodos em seus postos. Além disso, há a presença do chamado conselho de fiscalização ou consultivo, que vigia a responsabilidade da diretoria, veta ou aprova projetos e autoriza contratos e parcerias. Em geral, é formado por ex-presidentes e ex-diretores com mandato vitalício no órgão, que muitas vezes tomam decisões de forma conservadora, à luz do resguardo da tradição ética e histórica do clube. Para ir à bolsa, portanto, um dos primeiros desafios dos clubes é tornar sua gestão profissional — movimento que, na opinião de João Paulo de Jesus Lopes, professor de gestão de marketing esportivo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e vice-presidente do São Paulo Futebol Clube, enfrentaria resistência dos dirigentes atuais. "Seria um obstáculo de ordem política." 

Ampliar a transparência é outra necessidade. A Pluri Consultoria, especializada em negócios do esporte, produziu um levantamento do grau de abertura de informações dos 32 clubes de maior torcida do País. Entre os critérios utilizados no estudo, citam-se: publicação do balanço no site do time, publicação do parecer dos auditores independentes, periodicidade dos balanços, nível de disclosure das informações e política de governança. A conclusão é que os clubes brasileiros, em geral, ainda são tímidos no que se refere à divulgação de dados sobre governança corporativa. As cinco equipes mais bem colocadas no ranking foram Corinthians, Santos, Fluminense, Palmeiras e Coritiba, nessa ordem. O São Paulo, na nona colocação, se destacou como o time com melhor disclosure; o Santos, com o maior histórico de balanços disponíveis; o Palmeiras destoou com a melhor periodicidade (publica mensalmente); e o Corinthians, campeão do mundo, foi eleito o clube mais transparente do País. 

O alvinegro paulistano é o único clube do Brasil que publica um relatório de sustentabilidade para o mercado ao final de cada exercício, desde 2008. O documento possui quase 90 páginas e traz informações sobre estratégia esportiva e de negócios, gestão, marketing, desempenho econômico e responsabilidade social, além de demonstrações financeiras auditadas pela PricewaterhouseCoopers. Em 2010, o relatório anual do Corinthians foi finalista do Prêmio Abrasca de Relatório Anual, na categoria de organizações não empresariais, e ficou em quarto lugar. 

Raul Correa, vice de finanças do clube, destaca a guinada do Corinthians em direção às boas práticas de governança em 2008. Naquele ano, o ex—presidente Andrés Sanchez assumiu o lugar de Alberto Dualib, que renunciara em 2007 após 14 anos no cargo. "Passamos a estabelecer um diálogo muito claro com os stakeholders e com o mercado", explica. Entre 2008 e 2012, o Corinthians se tornou o clube com maior valor de mercado (R$ 1,1 bilhão) e receita do Brasil (R$ 358 milhões no ano passado, 300% superior à de 2008). Dentro de campo, no mesmo período, o alvinegro conquistou cinco títulos importantes, entre os quais o Campeonato Brasileiro, a Libertadores da América e o Mundial de Clubes. 

As dívidas também afastam os clubes da bolsa. Levantamento da BDO RCS revela que os 32 maiores times do País devem, no total, R$ 4,7 bilhões — um aumento de 77% em relação a cinco anos atrás. São obrigações fiscais, privadas e tributárias; estas últimas, isoladas, somam R$ 2,4 bilhões. Na opinião de Pedro Daniel, consultor de gestão esportiva da BDO RCS, não há como os clubes abrirem o capital com dívidas tão elevadas. "Embora você deixe os riscos claros dentro do prospecto, será muito difícil atrair investidores", afirma. O estudo indica que os mais endividados são Flamengo, Botafogo, Fluminense, Atlético Mineiro e Vasco — os cinco, juntos, devem cerca de R$ 2,6 bilhões. Entre eles, somente o Flamengo vale mais do que deve: tem valor de mercado de R$ 855 milhões e dívidas de R$ 741 milhões. Para Fábio Farina, sócio da auditoria Crowe Horwath, apenas com a quitação do saldo devedor os clubes passariam a ser atrativos para os investidores na bolsa, algo ainda distante. "Eles olhariam mais o fluxo de caixa do que o resultado dentro de campo", diz. 

O endividamento bancário, entretanto, vem diminuindo desde 2011. Segundo Daniel, da BDO, os bancos estão mais exigentes com a capacidade dos clubes de arcar com seus débitos, o que estimula as diretorias do futebol a serem mais responsáveis. "Está nascendo uma cultura de resultados consistentes e confiáveis dentro dos balanços", avalia. Como garantia para o pagamento das dívidas, os clubes costumam usar o dinheiro recebido na negociação de contratos de direitos de transmissão televisiva das suas partidas. Os bancos não aceitam, para esse fim, a receita obtida com bilheteria, que está sujeita ao ânimo do torcedor com o momento do time dentro de campo. 

Apesar da reduzida vocação para abrir o capital no Brasil, os clubes têm buscado formas de captar recursos publicamente. Vários desenvolvem programas de sócio—torcedor, em que o filiado paga uma quantia mensal em troca de ingressos garantidos para jogos e benefícios em promoções e ações de marketing do clube. Os times que mais arrecadam com esses programas anualmente são Cruzeiro (R$ 16,1 milhões) e Flamengo (R$ 12,5 milhões). As informações são do Movimento por um Futebol Melhor, organização que cataloga dados sobre futebol profissional no Brasil. "Uma equação equilibrada de direitos de transmissão, bilheteria e planos de sócio—torcedor daria vigor econômico aos clubes dentro da bolsa", comenta Lopes. 

Conforme a entidade, os dez maiores programas de sócio-torcedor dos clubes brasileiros têm 380 mil membros adimplentes, que pagam todo mês. Se todos eles investissem em ações desses times, representariam mais da metade do total de pessoas físicas registradas na BM&FBovespa: atualmente, cerca de 633 mil. Nada mal para uma bolsa que precisa de investidores e emissores para crescer. Muito menos para clubes que carecem de profissionalização. [4]

[1] Um dos problemas para essa listagem é a forma jurídica e tributária dos clubes. Muitos são isentos de tributação devido à sua atividade econômica. Para que pudessem pagar dividendos, ou distribuir lucros, que é um dos atrativos do mercado de capitais, ele teriam que mudar suas formas de tributação. Para clubes que já estão afundados em dívidas, ter um custo de abertura de capital (que já foi estimado em torno de R$ 100 milhões) parece ser algo inalcançável.

[2] Eis um dos problemas que devem ser enfrentados pelos times pois, conforme CPC 04, esse tipo de ativo não pode ser contabilizado. Clubes formadores de atletas tenderiam a ter menores ativos que clubes compradores de atletas.

[3] Há uma tendência nos clubes de profissionalização da gestão. O problema, muitas vezes, está na política do clube, formada por pessoas que estão há décadas nas entranhas da gestão, que sismam em não "largar o osso". Meu querido Palmeiras é um bom exemplo, entre tantos.

[4] Um entrave, talvez, seria que a grande maioria dos sócios dos clubes são associados por amor ao clube e outros para usar suas dependências e obter descontos em ingressos. Ao se tornarem investidores, mesmo considerando a falta de perfil e informação de alguns para isso, corre-se-ia o risco de os investidores optarem por empresas mais rentáveis. Já que estariam na bolsa, por que não ganhar mais dinheiro?

Fonte: Revista Capital Aberto.

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